Sobre comunicação

É provável que você já tenha alguma noção sobre o que seja a comunicação ou então que esteja em busca de informações mais detalhadas sobre o tema. E que você deseja utilizar este conhecimento de alguma forma em um trabalho ou no seu dia a dia. Porém, o seu entendimento provavelmente é diferente do nosso e, por isso, convidamos você a conhecer o nosso ponto de vista.

O problema da comunicação

Um dos grandes problemas da comunicação está na sua definição, pois a comunicação por si só não constitui um objeto de estudo propriamente dito de nenhuma área de conhecimento científico (assunto este que será retomado logo mais a frente). Em geral, ela é definida em função de alguma outra coisa (do contexto, dos aspectos mais significativos ou do nível em que ocorre) e, por esta razão, não existe um consenso amplamente aceito em torno do seu significado e nem um conceito claro e preciso. Assim, por comunicação entende-se desde a transmissão de informações de um ponto a outro até a interação social que ocorre entre indivíduos por meio de mensagens, passando por abordagens processuais e sistêmicas que vão da biologia à sociologia.

Atualmente, há um campo de saber específico e bem estabelecido na comunidade científica que é proveniente dos estudos da sociologia que normalmente entende a comunicação com sendo a propagação de mensagens por meio dos veículos de comunicação de massa – ou mídias – para um público mais ou menos vasto e distante. Este campo é denominado de Comunicação Social e apresenta uma definição bastante particular, mas que exclui outras formas de comunicação. O estudo da comunicação em contextos e/ou níveis diferentes acaba sendo realizado de modo mais ou menos periférico por áreas de conhecimento já consolidadas, tais como a biologia, a psicologia e a engenharia elétrica, produzindo definições distintas e para o fenômeno da comunicação, ainda que se reconheça tratar-se de um mesmo fenômeno. É interessante observar, no entanto, que o conhecimento gerado nestas outras áreas acerca da comunicação ou de temas e abordagens relacionados muitas vezes é absorvido dentro do campo da Comunicação Social, constituindo as diversas Teorias da Comunicação.

Definição de comunicação baseada no arcabouço conceitual de Engelbart

Cientes da problemática em torno do conceito de comunicação, procuramos estabelecer provisoriamente uma definição abrangente, clara e independente das variáveis complexas e não claramente definíveis – em especial o contexto e o nível em que ela ocorre – de modo que mantenha as características essenciais capazes de estabelecer os seus limites ao mesmo tempo em que possa ser utilizada em qualquer situação ou área de estudo. Para tanto, buscamos inspiração no sistema H-LAM/T (Human using Languages, Methodologies and Artifacts in which he is Trained) proposto por Douglas Carl Engelbart (1962), que estabelece um arcabouço conceitual fundamentado no conhecimento de diversas áreas e em observações empíricas sobre uma superestrutura – a hierarquia de repertório – onde seres humanos e artefatos combinam e ajustam suas capacidades no sentido de colaborarem na resolução de algum problema. Assim, consideramos a comunicação um processo dinâmico, imprevisível e de caráter adaptativo que se estabelece a partir de uma relação entre entidades através do qual agentes e artefatos cooperam na resolução de um problema qualquer que pode ou não ter sido explicitamente declarado desde o início do processo e que é capaz de modificar a relação que lhe deu origem. 

Devemos dizer que esta é uma noção simplificada, pois encobre detalhe importantes que merecem algumas observações (veja uma definição ligeiramente mais completa em nosso Glossário). Além disto, é também um conceito amplo, pois confunde-se com a ideia de interação na medida em que baseia-se na relação entre entidades quaisquer, enquanto que a comunicação de fato restringe-se ao campo das relações entre entidades vivas e dotadas da capacidade de agir no ambiente. Toda comunicação é um processo dinâmico na medida em que ele não é um produto que se obtém ao final de uma sequencia de etapas, mas é uma construção colaborativa que se forma a partir de uma relação. O processo de comunicação possui também a capacidade de modificar esta mesma relação que lhe deu origem, na medida em que abriga o seu oposto: a dissociação, criando uma escala de valores que vai da relação plena e satisfatória à relação incompleta (dissociação) e insatisfatória. Não há como determinar com precisão o modo como o processo de comunicação se desenvolverá em termos da relação entre as entidades, uma vez que elas exibem comportamentos próprios, o que confere a característica de imprevisibilidade. Mas, apesar disto, o processo de comunicação pode ser parcialmente dirigido quando pelo menos um dos agentes da relação mantém um objetivo com clareza e com o propósito de influenciar o comportamento da(s) outra(s) entidade(s) no sentido de favorecer a obtenção do objetivo pretendido. O caráter adaptativo do processo de comunicação revela-se pelo grau de cooperação entre as entidades. A relação que dá origem ao processo de comunicação ocorre e se mantém quando os agentes, ao receberem informações do ambiente de modo direto ou indireto (estímulos), selecionam (de forma consciente ou inconsciente) certas capacidades dentro da sua hierarquia de repertório individual buscando ajustar o seu comportamento ou modo de utilizar os artefatos em função destes estímulos. A imprevisibilidade revela-se também na medida em que não é possível saber com certeza como o comportamento da entidade será ajustado e menos ainda como ele afetará o comportamento de outra(s) entidade(s). Entretanto, apesar destas incertezas, é possível ajustar o próprio comportamento para buscar uma resposta mais adequada da(s) outra(s) parte(s). Outro fator que contribui com a imprevisibilidade encontra-se nos diferentes modos em que um artefato específico pode ser utilizado por entidades distintas e no fato de que certas situações podem sugerir novos usos para um artefato. Por fim, o objetivo da comunicação não é fixo podendo modificar-se durante o processo em virtude da captação de informações ambientais variadas (estímulos interferentes) e da imprevisibilidade do ajuste realizado no comportamento das entidades participantes.

A definição de comunicação acima, ainda que provisória, demonstra um potencial considerável de investigação teórica e prática sob uma perspectiva dialética. Por esta perspectiva, a comunicação é caracterizada pelo movimento (o processo dinâmico, imprevisível e de caráter adaptativo) que surge das contradições de um outro movimento (a relação em diferentes graus de ligação) cuja unidade é formada por itens (as entidades) que se opõem por constituírem-se como elementos peculiares (justificando os ajustes no comportamento ou no uso dos artefatos), criando a tensão necessária com a finalidade de obter uma síntese singular (que supera as soluções e capacidades individuais ao mesmo tempo que as contém) no sentido de atingir o objetivo proposto. Assim, a comunicação é pura abstração: o movimento gerado pelas contradições inerentes de uma relação, ou seja, pela variação e oposição no grau de ligação criado entre as entidades ao longo do tempo. Por esta razão, o processo de comunicação não pode ser materialmente definido como acontece com a relação que manifesta-se concreta e objetivamente através do comportamento das entidades, tornando-se, então, onipresente em qualquer relação. Logo, o estudo da comunicação propriamente dita deve ser realizado preferencialmente por métodos dialéticos através de uma perspectiva energética/finalística e não mecanicista/causal. Afinal, a comunicação não é um “efeito” que se possa determinar por uma única “causa”, mas sim um fenômeno impulsionado energeticamente que possui uma “finalidade” que implica necessariamente, também, na utilização de um raciocínio dialético ao invés de lógico.

As característica da comunicação

De acordo com nossa definição, o que realmente pode variar no campo da comunicação de uma situação para outra ou de uma área para outra são as entidades e os artefatos que participam do processo, dentre as quais podemos identificar aquelas entidades que são capazes de agir no ambiente (os agentes) e aquelas entidades que não são capazes de agir no ambiente (os artefatos). Todos os outros fatores são aspectos constantes que caracterizam a comunicação, a saber: (1) o processo dinâmico, (2) a relação entre entidades que cooperam para realização de um objetivo; e (3) e existência de um objetivo ou problema a ser resolvido.

A comunicação, tal como descrita anteriormente, tem a caraterística de adquirir diferentes aspectos dependendo das entidades envolvidas no processo de comunicação e dos objetivos que se pretende atingir – o problema a ser resolvido. Por exemplo, no campo da biologia, a comunicação celular caracteriza-se pelo processo estabelecido a partir da relação entre células, sendo que as células são selecionam certas capacidades de sua hierarquia de repertório individual buscando ajustá-las às capacidades dos outros agentes com o objetivo de manter a homeostase do tecido ou órgão, por exemplo. No campo da Comunicação Social, por sua vez, a comunicação pode ser caracterizada pelo processo estabelecido a partir da relação entre empresas de comunicação, profissionais de comunicação e público, sendo que estes agentes selecionam certas capacidades dentro de sua hierarquia de repertório individual buscando ajustar seu comportamento ou o modo de utilizar algum artefato envolvido de modo a cooperar com a realização de algum objetivo. Neste caso, os objetivos variam conforme o agente, podendo ser lucro, entretenimento ou visibilidade, por exemplo. Na realidade, as entidades envolvidas nos processos de comunicação social podem ser muito maior em número do que aquelas indicadas na definição anterior e incluiria artefatos tais como produtos de comunicação (jornal, revista, programa de rádio, programa de TV, etc), grade de programação e editorias, de modo que uma empresa de comunicação pode redefinir sua grade de programação em função das informações sobre a audiência de determinado programa, por exemplo.

A comunicação que nos interessa caracteriza-se pelo processo que surge a partir da relação entre indivíduos que selecionam capacidades dentro de sua hierarquia de repertório individual buscando ajustá-la às capacidades dos outros agentes envolvidos de modo a cooperar na resolução de algum problema que tenha ou não sido explicitamente declarado. Em outros termos, pode-se dizer que nos ocupamos essencialmente da comunicação interpessoal.

Busca de uma definição científica para o conceito de comunicação

Considerando a problematização acima em torno da definição do conceito de comunicação, esclarecemos que a definição de comunicação apresentada nesta página não é científica, na medida em que não foi obtida com a sistematização e o rigor metodológico necessário, da mesma forma que ela não se constitui como objeto de estudo científico e nem uma área de conhecimento bem estabelecida. Entretanto, ao apresentar uma definição mais abrangente, clara e precisa do que aquelas que existem na vasta literatura – ainda que não seja científica – então identificamos ao menos sinais de que a comunicação precisa assumir seu papel de protagonista. Ou seja, é preciso o desenvolvimento de pesquisas científicas que a considerem o objeto de estudo principal e não apenas um objeto secundário como um fenômeno que ocorre “em função” de outros ou “simultaneamente” com outros que são observados, tal como ocorre em diversas áreas como a sociologia, a comunicação social, a psicologia, a biologia ou a engenharia elétrica.

Entendemos que esta mudança de rumo que estabelece a comunicação como objeto de estudo científico independente de outros objetos é urgente, necessária e imprescindível. Considerando que a comunicação é um fenômeno essencial para explicar inúmeros fatos que são o objeto de estudo de outras áreas, então as elucidações e os conhecimentos que as pesquisas científicas em comunicação podem trazer consideráveis contribuições para o desenvolvimento destas mesmas áreas. Por isto, o Grupo de Pesquisas em Tecnologias da Comunicação está propondo a realização de pesquisas científicas em torno do fenômeno da comunicação considerado isoladamente que contribuam tanto para o campo epistemológico quanto para os campos teórico e metodológico.